Discussão Dorense

Discussão Dorense

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O EXORCISMO DE NATAN - capítulo 1

Aos meus queridos leitores,

Apresento-lhes o início de uma novo tempo na minha escrita.
Estarei apresentando um novo estilo literário distinto da filosofia e da crítica política, que sempre foi meu interesse e na qual tenho muito estudado.
Agora apresento uma novela, não sei quantos capítulos, mas estarei dando continuidade numa história no qual estou postando o primeiro capítulo.
Não terei como postar imagens para chamar mais o público como nos outros artigos, mas conto com o interesse de todos e também os comentários sobre a história.
Um abraço a todos e boa leitura.

Breno Lucas.



O EXORCISMO DE NATAN

        

CAPITULO I

 

- Vi Papai Noel ontem trazendo meus presentes.

         Apesar de seu estado debilitado, Natan ainda encontrava ânimo para o espírito natalino, ocasião em que lhe era muito agradável pois presentes era e continua sendo sua coisa preferida.

         Natan tinha 9 anos, nascido de cesariana. Ficara 3 semanas internado mas nem por isso tanto ele quanto sua mãe deixaram de ter uma vida saudável.

         Márcia, mãe rigorosa com os costumes da família e nem sempre participativa com a cultura local, salvo a religião, também gostava do Natal.

         - Viu mesmo? Papai Noel só traz presentes para crianças que se comportam bem durante o ano todo.

         Natan tinha andado bem doente no último mês. Dezembro era o período em que mais resplandecia a alegria em seu semblante e nem mesmo as dificuldades que as complicações da saúde lhe afetavam não a tirava do seu rosto.

         O pai havia morrido há dois anos vítima de infarto. Márcia sofreu bem mas compensou no Natan o carinho de mãe suprindo a necessidade dos afetos paternais. Com quatro semanas ele já brincava de pega-pega com os amigos da escola sem sentir tanto a falta do pai.

         Márcia não queria que a doença o afetasse num período tão especial e preparou um Natal bem diferente dos outros anos, com pernil, doces, balas, refrigerante e uma janta bem peculiar.

         A dieta balanceada de todo ano nessa noite do dia vinte e quatro seria esquecida. Batata-frita, feijão-tropeiro, lasanha fizeram os pratos principais da noite, incluindo o pernil e os refrigerantes. Muita comida para só duas pessoas.

- Amanhã teremos já o almoço pronto – pensou ela, pondo a mesa.

Mas a doença do seu filho a incomodava.

Natan nunca tivera problemas graves de saúde e agora, justo agora, aparecera com uma doença incomum. O que antes parecia um simples problema intestinal se tornara um problema sem solução.

Vomitava muito no início dos sintomas. E tanto era a freqüência que já não havia mais o que por para fora. Foi assim que começou a vomitar sangue. A solução imediata foi correr para os médicos de plantão da cidade de Hulha Negra. Médicos não. Médico. Ficou de observação de um dia para outro,sendo transferido para Porto Alegre no dia seguinte, tamanha a gravidade do problema.

Com os recursos apropriados, em uma semana estava de volta à cidade. Sua mãe estava ansiosa porque queria ele em casa no Natal, afinal sua vida só tinha sentido com seu filho ao seu lado. Havia orado muito por aquele milagre. Todos os seus amigos evangélicos oravam incessantemente todos os dias para a saúde de Natan.

Sim, Deus havia ouvido suas preces. Natan havia se curado. Jesus olhou por aquela família e reestabeleceu a paz e o sossego sobre aquela casa, dando alívio para o coração torturado de mãe. Alívio que também ajudara a aposentadoria gorda do marido falecido, beneficiário do INSS e aposentado pelo Banco do Brasil e que pagara todas as despesas do hospital e de transferência urgente de uma cidade a outra.

Sua casa ficava na avenida principal da cidade e sua família era a mais nobre. Denominação essa herdada de seus antepassados quanto de seu finado marido. O casamento não deixou de ser feito por famílias abastadas e por interesses econômicos. No fim das contas os pais do moribundo faliram mas, pela estranheza de um casamento planejado em pleno século XX, os dois realmente se apaixonaram. Tiveram uma vida feliz até o problema de coração atingir fatalmente o pai de Natan. Márcia superara a morte dele e agora era hora de reunir mais forças para a doença do filho muito amado.

  Sua morada era na esquina da principal avenida da cidade. Casa de dois andares, um amplo jardim com roseiras, tulipas e um ipê amarelo bem rente ao muro que dava para a rua. Muro esse que distava de uns quatro metros da rua até à porta da casa, dando passagem ao centro do jardim muito bem gramado com pequenos paralelepípedos acizentados e sujos do tempo.

            A porta era de vidro fumê, com as bases de ferro puro, dando um peso enorme ao puxá-la para dentro. Era o maior orgulho consumista de Márcia. Pintada com um tom cinza envelhecido, dava um aspecto bem peculiar à porta, fazendo única a casa de todas as outras e causando inveja àqueles indivíduos que gostavam de objetos bem extravagantes. Tinha todo suporte de ser metal importado, assim como mentia Márcia para suas amigas ao relatar copiosamente de suas antiguidades alojadas na casa, deixadas de herança pelos avós e bisavós. A mais pura realidade foi que ela atormentara seu marido ao ver essa porta numa loja especializada em Porto Alegre até ele enfim ceder aos seus caprichos. Ele achou graça nela também ao ver seu peso e supôs a dificuldade de um ladrão ao tentar arrombar sua casa. Afinal, uma porta daquela natureza não seria tão fácil de ser posta abaixo.

A pintura era de um amarelo cor-de-sol. A frente da casa era simples, composta pela porta no centro, duas janelas no andar de baixo de frente para o jardim e duas janelas também no andar de cima, feitas para a luz do dia iluminar o quarto de Natan. Tudo bem planejado para o conforto do filho e para a ventilação naquela parte da casa.

Na semana do Natal, ao voltar de um dos cultos festivos natalinos com sua mãe numa segunda-feira dia dezenove, o menino pôs a queixar-se de dores de cabeça.

- Minha cabeça dói muito, mamãe!

- Você não fica um minuto quieto no culto, menino. A cabeça tem que doer mesmo. Vamos rápido pra te dar remédio em casa.

- Não quero remédio com gosto ruim.

- Mas vai ter que tomar. É o melhor, senão Papai Noel não vem.

Só assim para Natan tomar o remédio de bom grado. Bebeu vinte gotas de Novalgina sem fazer cara ruim – Márcia deu um leve sorriso – e depois se deitou.

- Deixa a janela aberta pra mim?

- Quer que entre uma aranha no seu quarto fique passeando na sua barriga?

- Cruz credo!

- Pois é! Agora vá dormir que o Papai Noel está a caminho.

- Mas não é semana que vem que ele chega?

- É, mas pra ele entregar presente para crianças do mundo inteiro ele começa a viajar hoje.

- É mesmo?

- Nossa, você não sabia disso? – perguntou Márcia, começando com aquele clima de história para dormir, se debruçando carinhosamente sobre a barriga do menino – Sim, ele sai do Pólo Norte uma semana antes para dar prazo para entregar os presentes das crianças do mundo inteiro.

Natan estava maravilhado com a história do velhinho de barba branca. Com certeza aquilo para ele era novidade, já que ele não sabia nada sobre o homenzinho de vermelho com o saco nas costas.

- Ele pega as renas no pasto, as enfeita com brilho e sinos pequenininhos e sai pelo mundo jogando presentes pelas chaminés.

- E como ele entrou aqui o ano passado? Aqui não tem chaminé!

Márcia parou para pensar. “Esse menino ta esperto demais pro meu gosto”.

- Aí ele entra pela porta.

- Mas ele não tem a chave...

         - Ele tem a chave de todas as casas com crianças do mundo... Porque nem todas elas têm chaminé, Natan!

         - Hum, entendi... O que mais?

         - Ele vem num trenó puxado com oito renas, voando pelo céu e parando no jardim ou no teto das casas para entregar os presentes.

         - Se ele é gordo como ele passa nas chaminés?

         - Ele usa mágica pra emagrecer.

         - Que tipo de mágica?

         Pressionada e caindo no sono, Márcia esgotou todo seu baú de criatividade para criar contos natalinos. Deu um beijo rápido nos lábios do garoto e se despediu carinhosamente.

         - Amanhã te conto o resto.

         - E se ele não vier?

- Mas vem. Eu sei que ele vem. Você é um ótimo filho.

Chegou o Natal, passados os seis dias.

Dias esses tranqüilos.

Os parentes próximos foram à casa da viúva lhe fazer companhia durante a parte da manhã. Natan gostava dos primos para brincar com os brinquedos novos ganhados do velho bonachão e sair pelo jardim da casa gritando muito de felicidade. Ele sabia ser feliz. Mãe cuidadosa, rígida mas com um amor tão profundo pelo filho que era muito transparente até para ele que era uma criança vista aos olhos dos outros como mimada.

Márcia tinha um admirador entre seus parentes. Um primo de Porto Alegre era um bobo apaixonado por ela. Todo ano ele dava suas tradicionais “investidas” mas ela, apesar de reconhece-lo como um homem exemplar e repleto de qualidades tão incomuns, não desejou homem algum após sua viuvez. A morte de Marlon a rebaixou como mulher e ela não se considerava mais como tal. Agora só era mãe.

Márcia, ao conhecimento do leitor, era mulher muito bem cuidada, jovem, e, resumindo toda uma teia de adjetivos, muito bela, o que causava inveja em moças na igreja na qual freqüentava.

A maioria dos seis mil e oitenta habitantes de Hulha Negra a conhecia, pois morava na Avenida Getúlio Vargas, a principal do município. Seu marido fez sua família ser conhecida por ser inteligente, culto e um grande funcionário do Banco do Brasil de Porto Alegre. Era difícil ter um marido só nos fins de semana, mas ele era muito dedicado à mulher e ao filho, nem que seja nos sábados e domingos, compensando toda a falta do meio de semana.

- Natan, é hora de levantar. Nós não íamos na casa da sua tia?

O menino abriu os olhos bruscamente, como se tivesse acordado de um pesadelo. Olhou para ela e Marcia sentiu um arrepio na vértebra da coluna. Por um momento, não viu seu filho deitado na cama.

- Natan? – chamou ela, com voz trêmula e desconfiada.

- Oi, – respondeu ele secamente – quero dormir mais. Não enche o saco.

Márcia se segurou na cadeira onde ela costumava tomar conta do filho quando ele tinha crises de debilidade. Ela se sentiu muito tonta com o impacto da resposta do menino. Aquilo lhe veio à cabeça como uma marretada psicológica. Teve de sentar, amarrotando as bermudas e calças postas ali por ela própria por causa do tempo que estava variando. Iria sair com o filho mas não saberia qual roupa vesti-lo.

Gaguejando, ela mal consegue murmurar.

- Que é que te deu Natan? Isso é maneira de tratar sua mãe?

Como a cadeira estava defronte à cama e encostada na parede, Márcia estava praticamente esparramada nela, com as mãos na testa, febril. Ele NUNCA falara com ela assim desde o período mais crítico de sua doença. Ela olhava para o chão, desnorteada, sem pensar em coisa alguma.

- Mamãe, - disse ele, sentando-se na cama, esfregando os olhos, como se tivesse acordado naquele momento. – Que é que a senhora ta fazendo aí? Você não ia me acordar pra gente ir na casa da minha prima? Porque tá desse jeito?

Ela levantou a cabeça rapidamente para o filho na cama. Seu semblante resplandecera com o renascimento do filho. Sim – pensou ela – esse é o meu filho. Mas... O que aconteceu que ele ficou daquele jeito de uma hora pra outra?

- Porque falou comigo daquele jeito? Você sempre foi tão educado!!! – apressara-se Márcia ao filho ainda na cama. – Você está passando bem? Deixe-me sentir sua testa.

Já sentada na cama do menino ela sentia sua testa com o lado inverso da palma da mão, querendo justificar a atitude anterior do filho com uma febre descomunal.

- Como assim, mamãe? Acordei agora e vi a senhora sentada ali. A senhora não quer ir mais lá? Porque não me chamou?

Márcia não estava entendendo a frieza de Natan. Frieza porque ele realmente não sabia o que falara anteriormente e Márcia, como mãe com fortes instintos no qual sabe mais do que o filho o que ele sente, percebia que ele mesmo não tinha ciência de tal ato. Mas não deixou de perguntar, desejando ser uma das criancices do menino.

- Não se lembra do que falou comigo quando te acordei?

-Como assim? A senhora não me acordou. Eu acordei sozinho e te vi sentada lá. Do que a senhora ta falando?

Márcia, antes curva sobre o filho, agora ficou sentada na beira da cama, refletindo, com o olhar posto no nada. O menino tornou-se a deitar, com o olhar fito na nuca da mãe.

Todos os dois ficaram em silêncio.

O silêncio da preocupação, da serenidade, da fé e da esperança da mãe. Ela orou naquele momento.

Poderia ser um simples pesadelo, mas temeu uma recaída na melhora na saúde de Natan.